Ouve a Cidade, faz o download da App.
Teresinha Landeiro: "o fado é sobre a vida. É a vida"
DR Cortesia Arruada

Teresinha Landeiro: "o fado é sobre a vida. É a vida"

"Para Dançar e Para Chorar" - o novo álbum da fadista - está já está disponível.

Teresinha Landeiro está de volta aos álbuns. Esta sexta-feira, 23 de fevereiro, a fadista partilhou "Para Dançar e Para Chorar" - o terceiro disco de estúdio que sucede a "Agora" (de 2021) e a "Namoro" (de 2018). 

Está habituada a cantar as suas próprias composições, mas, desta vez, a jovem artista convidou uma série de músicos e autores para a composição. MARO, Mário Laginha, Milhanas, Jorge Cruz, Beatriz Pessoa, Francisco Guimarães e Rita Dias são os convidados que assinam parte das faixas do novo registo discográfico que também reúne temas originais da própria Teresinha Landeiro, que, além de fadista, é escritora de canções. 

A produção de "Para Dançar e Para Chorar" ficou nas mãos de André Santos. Pedro de Castro assumiu o posto na guitarra portuguesa, André Ramos o da viola e Francisco Gaspar o do baixo.

O novo álbum da fadista, com quem trocámos algumas impressões, vai ser apresentado a 9 de março no Teatro Aveirense (Aveiro), a 26 de março no Teatro Maria Matos (Lisboa), a 20 de abril no Teatro Cinema De Fafe (Fafe) e a 3 de novembro no Cineteatro São João (Palmela).

Sei que começaste a cantar fado muito cedo, aos 11 anos. Como é que uma criança de 11 anos sente o fado?

Sempre gostei de cantar em português e acho que foi isso que me aproximou ainda mais do fado, mesmo quando não sabia que o fado existia. Quando era pequena cantava muitas canções do Festival da Canção. Cantava muito a 'Desfolhada', da Simone de Oliveira, por exemplo. Cantava essencialmente canções que punham à prova a voz. Cantava uma ou duas em inglês, mas, para mim, cantar em português tinha mais força. Era mais especial. Houve um dia em que uma amiga da minha mãe me ouviu a cantar e comentou que eu devia cantar fado. Achava que o fado era perfeito para a minha voz. Lembro-me que lhe perguntei o que é que era o fado porque na altura não fazia ideia. (risos) Ela levou-me alguns discos e comecei a ouvir. Curiosamente, apaixonei-me pelos que eram mais dolentes, mais pesados, mais dramáticos. Identifiquei-me mais com esses e foram esses que tive vontade de cantar. Mas nem sabia qual era o significado que o fado tinha para nós, portugueses, e para as pessoas no geral. Não sabia nada sobre fado. Rigorosamente nada. Sabia apenas que era o que me apetecia ouvir. Ouvia fado todos os dias, quando vinha da escola e acabava os trabalhos de casa. Foi isso que me fez perceber que o fado era importante para mim. Não conseguia estar sem ouvir fado.  

Se uma criança de 11 anos te pedisse para que lhe explicasses que é o fado, o que lhe dirias?
O fado é sobre a vida, é a vida. Até acho graça quando as pessoas associam o fado a uma coisa triste, quando, na verdade, não tem de ser assim. O fado não tem de ser triste. O fado é como a vida, com momentos altos e baixos. Também acho que nós, portugueses, somos bastante dramáticos. Gostamos muito de enfatizar as nossas tristezas. Quando escrevemos ou cantamos gostamos de desabafar sobre o namoro que acabou, a pessoa que perdemos ou sobre as saudades que sentimos. É natural que os fados também tenham esse lado reflexivo, introspetivo. As letras e as temáticas vão naturalmente mais "para baixo" do que "para cima". Nós somos assim naturalmente. Eu assim me confesso. Sou dramática e melancólica. Acho que seria isto que eu diria [à tal criança]. Dir-lhe-ia que o fado é sobre a vida. Que é uma tradição oral, que vai sendo passada de uns para os outros. Dir-lhe-ia que não há propriamente um sítio onde se possa estudar ou aprender fado e que as casas de fado são sítios onde podemos cantá-lo todas as noites. 

E os teus pais iam contigo às casas de fado todos os fins de semana, certo?
Sim. Só quando tinha 17 anos é que fui pela primeira vez a uma casa de fados sem os meus pais. E comecei a ir aos 12. Durante cinco anos foram sempre comigo. 

Como é que foi a tua primeira experiência a cantar para uma plateia? Sei que foi depois de uma atuação da Ana Moura e que foste desafiada pelo Jorge Fernando. O que é que sentiste na altura?
Foi uma surpresa organizada pela minha mãe. Eu não sabia que ia a uma casa de fados e que ia ver ao vivo a Ana Moura, que era quem eu ouvia todos os dias em casa. A uma dada altura, fui ter com ela para lhe pedir um autógrafo e disse-lhe que, além de a ouvir todos os dias, costumava cantar as canções dela. O Jorge ouviu e perguntou-me se eu queria cantar. Disse logo que sim, embora a minha mãe tenha dito que não porque estava preocupada por ser a primeira vez em que eu ia cantar com músicos. Disse à minha mãe que, apesar disso, queria cantar e assim foi. Não tinha noção nenhuma daquilo que estava a fazer, das pessoas que estava a conhecer, nem da importância que aquele momento ia ter no futuro.


Foi sempre um caminho de descoberta. A cada passo que dava, ia descobrindo mais uma coisa. E apaixonava-me cada vez mais. Mas em relação ao que senti naquela noite, lembro-me que foi algo muito especial. Acho que nunca tinha sentido nada tão poderoso. Foi grandioso cantar para um grupo de pessoas que estava em silêncio absoluto e de olhos postos em mim só para me ouvir. Estava lá a Raquel Tavares (que até me emprestou o xaile) e a Celeste Rodrigues. Mas eu não tinha noção nenhuma de quem elas eram. Acho que a inocência que tinha na altura foi essencial para que aquele momento tivesse sido tão especial e tão bonito. Quando saí de lá disse logo à minha mãe que queria voltar.      

E o que é que aprendeste nas casas de fado?
Aprendi o que é ser fadista e o que é o fado. Há pessoas que cantam fado, mas não são fadistas. Eu aprendi... ouvindo. Nem sei explicar como é que se faz. É nas casas de fado que se aprende. Conversando com os fadistas icónicos, com os músicos. Tirando dúvidas. Às vezes, aprende-se mais a ouvir do que a cantar. Fazer parte dessa comunidade é uma aprendizagem. As casas de fado têm essa vantagem. É um lugar onde nos podemos conhecer, encontrar e partilhar ideias. É onde nos cruzamos com os nossos mestres, com as pessoas que nos inspiram diariamente e que inspiram as gerações vindouras. Acho que essa é a maior vantagem do fado e das casas de fado. Funcionam como uma escola, uma vez que não há ensino oficial do fado. Há o Museu do Fado, que também ensina, mas não há propriamente uma escola. É o hábito de irmos às casas de fado que nos torna fadistas

Que idade é que tinhas quando escreveste a primeira letra de fado?
Tinha 13 anos. 

Escrever alivia-te a alma?
Sim. Escrever, já naquela altura, era algo que me aliviava bastante. E continua a aliviar, embora eu precise de alguma reflexão antes de escrever. Não sou muito imediata. Preciso de sarar as feridas, de arrumar as coisas. Quando são coisas mais profundas, como a partida de alguém ou assuntos que me angustiam e preocupam, só consigo escrever com alguma distância. Preciso de analisar, de sentir o que é que significa para mim aquilo que estou a sentir. Só escrevi uma letra a quente uma vez na vida. Foi numa noite em que acordei às quatro da manhã, nervosa e irritada. Escrevi a letra toda sem uma única correção. Ia escrevendo as palavras que me estavam a sair e ia batendo tudo certo. A métrica saiu certa e as rimas saíram perfeitas, tal era a raiva que estava a sentir na altura.   


As composições que outros autores escrevem para ti têm de passar pelo crivo das tuas emoções e dos teus sentimentos para que possam estar num disco teu, certo?

Sim. Se não me identificar com composições, não canto. 

"Para Dançar e Para Chorar" é um título que junta dois estados de espírito que, embora aparentemente contrastantes, não se anulam. Qual é a razão deste título? 
A escolha vem no seguimento daquilo que disse no início da entrevista sobre o significado que o fado tem para mim. O fado é como a vida e a vida é boa e má. É este o contraste. Há dias em que estamos frenéticos e há dias em que simplesmente não nos apetece sair da cama porque estamos mais deprimidos. A verdade é que tanto podemos chorar de alegria como podemos dançar a chorar. Podem acontecer as duas coisas. Tenho essa conversa comigo própria várias vezes. O fado não é apenas para chorar, também é para dançar. Há espaço para essa disposição, para essa animação. Acho que também foi uma forma de poder cantar vários folclores no álbum. Tenho raízes muito fortes no folclore. Cresci com o meu avô, que era da Beira Baixa, a cantar-me folclore. Isso também terá alguma influência no facto de gostar de cantar fado. Além de servir para mostrar este contraste no fado, o título ajuda-me a poder incluir no álbum coisas que queria muito fazer.    

A inclusão dos dois folclores é também uma homenagem aos teus avós...
Sim. Um deles chama-se mesmo 'Folclore dos Avós'. São dois folclores da terra do meu avô [Aranhas]. Peguei em algumas partes das letras [originais] e reescrevi o resto. O facto de ter querido gravar as duas melodias até pode ter sido o que me levou a este título. O que aconteceu foi que quando decidi que queria cantar folclore encontrei alguns vídeos antigos com as festas de Natal que fazem nas aldeias dos meus avós. E, pela primeira vez, emocionei-me a ouvi-los. O folclore é uma tradição festiva, mas também representa saudade. Representa a perda das tradições, de pessoas. O meu avô já não está cá, os irmãos do meu avô já não estão cá, a aldeia está cada vez mais vazia. Essa saudade também se representa nos folclores. A arte é mesmo isso. É fazer o que nos emociona.  


Dizes que o novo álbum é uma viagem através das novas sonoridades com as quais te foste cruzando, como assim?

Durante um período, estive isolada nos fados. Conhecia poucos artistas pessoalmente, ainda não tinha conseguido sair do universo fadista. Ao longo do tempo, comecei a viajar pelo jazz, a conhecer e a aproximar-me de músicos de jazz. Foi nessa altura que conheci a Beatriz Pessoa, por exemplo, que compôs a canção 'Aurora' [para este álbum]. Fui conhecendo cada vez mais pessoas que não só me inspiraram como artistas, como me inspiraram como pessoas e como colegas.

Quando decidi fazer este disco senti que estava na altura de sair dessa tal ilha, embora já me tenha cruzado com outros géneros musicais anteriormente. No álbum anterior, cruzei-me com a roda de samba, com um pianista de jazz e por aí. Desta vez, quis ir ainda mais além. Para sair da minha ilha, pedi a uma série de autores para comporem para mim. Propus-me a interpretar outras pessoas, a sentir o que outras pessoas sentem e ainda fui buscar as sonoridades de cada um dos autores. Sou sempre fadista e canto com um trio de fado, mas é inevitável que a aproximação a outras linguagens musicais não provoque um afastamento natural do fado [em alguns temas]. Acho, porém, que é uma viagem musical interessante. Abre-me outros horizontes e desafia-me.     

E como foi o processo de reunir a MARO, Mário Laginha, Milhanas, Jorge Cruz, Beatriz Pessoa, Francisco Guimarães e a Rita Dias?
A premissa foi escolher pessoas que me inspiram e o processo foi muito natural. Tanto a Milhanas e com o Francisco Guimarães são presenças assíduas nas casas de fado. Por isso, criei uma relação próxima com ambos. Foi muito natural convidá-los. Fazia todo o sentido. O Francisco está a aperfeiçoar-se na escrita para fados e a Milhanas é fadista de alma e coração. O Mário Laginha é uma inspiração desde que sou pequena. Ouvi-o diversas vezes quando fiz as incursões pelo jazz e depois tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. É uma pessoa fantástica e compôs para uma letra minha, algo que me deixa muito orgulhosa.


O Jorge Cruz é um mestre a escrever canções. Tem muito jeito com as palavras e sabe como nos levar para as histórias que cria. A Rita Dias foi uma sugestão do André Santos, o meu produtor. Adorei a canção que ela compôs. A MARO, além de ter uma voz maravilhosa, é uma compositora maravilhosa. Depois de ter participado no concerto que ela deu no Centro Cultural de Belém, desafiei-a a compor para mim.   

O que é que achas que eles foram buscar a ti, à tua identidade como artista, para as composições?
Eu não sei se eles foram buscar algo a mim. Não lhes dei grandes diretrizes em relação ao que queria. Eles apenas sabiam qual era o conceito do disco. O tal contraste entre dançar e chorar. Convidei-os a escolher o lado com o qual se identificavam mais. Se eram party animals ou se eram drama queens (risos). Cada um deles escreveu para o lado que quis, tirando a Milhanas que foi um pouco coagida a escrever para o lado que eu queria. (risos) Foi empurrada para o lado do drama. Todos os outros tiveram mais liberdade para escolher. Não sei o que pesquisaram sobre mim, mas a verdade é que encontraram pontos que são essenciais para mim, seja na temática da letra, na melodia e até na forma como a melodia se desenvolve. Todos eles cumpriram com o que lhes pedi: um drama ou uma dança. 

E tu, que mensagens quiseste partilhar com as tuas composições?
É engraçado perguntares isso. Vou fazer 28 anos em março e já noto uma grande diferença em mim quando me lembro de quem eu era quando tinha 22, 23, 24 ou 25 anos. Já me tinha afastado ligeiramente das histórias de amor no disco anterior, mas sobretudo neste álbum quis explorar outros assuntos que nesta altura me interessam mais. Foi algo muito natural. Já não vou para os dramas de amor com a facilidade com que ia. A 'O Que Somos (Fado da Memória)' tem uma letra sobre o Alzheimer, por exemplo. O 'Cada Um, Um Lugar', que é um folclore que fiz com o meu companheiro de composição Pedro Castro, retrata os contrastes entre as realidades que existem em vários cantinhos de Portugal. E quem diz em Portugal diz no resto do mundo. Há também as homenagens que faço aos meus avós. 'Trocavam Cartas de Amor' é um tema sobre as cartas que os meus avós maternos trocavam em tempos de guerra e há uma letra que é sobre o medo. Sobre como é importante aceitarmos o medo. Quando somos pequenos temos medo do escuro, mas crescer também nos provoca medo. Medo de perder pessoas, por exemplo. A canção diz para conversarmos com o medo. Somos ambos sábios. Nós e o medo. 


E o que é que achas que dás ao fado?        

Embora seja uma pessoa muito dramática, também tenho um lado jovem e leve. Acho que esse contraste faz falta. É preciso sermos sérios mas, às vezes, é necessário levarmo-nos pouco a sério. É importante termos a capacidade de, por vezes, não nos levarmos tanto a sério. Há muito a ideia de que o fado é uma coisa muito séria. Mesmo os mais novos tentam ser muito sérios, muito dramáticos e muito pesados. E não tem de ser assim. Quando canto é uma coisa mas a minha forma de estar é outra. Gosto da ideia de ter uma imagem leve e jovem. É importante desmistificar um pouco a associação do fado a uma espécie de negritude. 

E no palco?
Tento levar para cima do palco uma composição muito tradicional, com guitarra, viola e baixo, mas, mal ou bem, tento sempre defender o fado. Quando não estou a cantar fado, faço questão de sublinhar que o que estou a cantar não é fado. Até que eu poder vou defender o fado.        
 
O que é que estás a preparar para os concertos de apresentação do disco?
Ainda estamos a estruturar o concerto, mas posso dizer que vou cantar todos os temas do disco e viajar pelos álbuns anteriores. Vai ser um concerto muito ao meu jeito. Uma coisa muito leve. Gosto de impor um tom descontraído e pessoal. Gosto de estar próxima do público. Acho que o meu maior objetivo é destruir a ideia de que o artista está num sítio e o público está noutro. Talvez tenha herdado isso das casas de fado. Lá estamos todos colados uns aos outros. Será então uma viagem pelo disco, pelo contraste entre a dança e o choro. E quero que o público se sinta parte integrante daquela viagem. 

ALINHAMENTO "PARA DANÇAR E PARA CHORAR"
 
1- 'Chegou a Hora'
Letra e Música: Milhanas
 
2 - 'O Pedido (Fado Menor do Porto)'
Letra: Francisco Guimarães | Música: José Joaquim Cavalheiro JR.
 
3 - 'Fiz Esta Canção Para Ti'
Letra e Música: Maro
 
4 - 'Trocavam Cartas de Amor'
Letra: Teresinha Landeiro | Música: Mário Laginha
 
5 - 'Maré de Sorte'
Letra e Música: Jorge Cruz
 
6 - 'Vê Lá São João' 
Letra e Música: Ilda Artur
 
7 - 'Aurora'
Letra: Teresinha Landeiro | Música: Beatriz Pessoa
 
8 - 'Eu Vou Dançar'
Letra e Música: Rita Dias
 
9 - 'Cada Um, Um Lugar'
Letra: Teresinha Landeiro | Música: Pedro Castro
 
10 - 'O Que Somos? (Fado da Memória)'
Letra e Música: Teresinha Landeiro e André Ramos
 
11 - 'Visita Inesperada'
Letra e Música:Teresinha Landeiro
 
12 - 'Folclore dos Avós'
Letra: Teresinha Landeiro + Autor Popular | Música: Canção Popular da Aldeia das Aranhas


     
 


       




  


 

Redação

Mais Notícias